segunda-feira, janeiro 23, 2006

Observador silencioso...




As ilusões herdadas pelos pais passam pela ideia de que os humanos são os seres mais inteligentes, mais determinados, mais controladores que este planeta viu nascer. Todos os momentos da existência dos humanos são catalogados pelos nossos investigadores. Pouca gente ouviu falar deles, mas, de uma forma geral, todos, secretamente, sabem que eles existem. Nas noites frias de Inverno podemos ouvi-los, longe, nas fragas de Sintra, rodeados por luxuriantes folhas que não cessam de viver. Melodias com quartos de tom, inaudíveis para a maioria dos humanos, para aqueles que não acreditam na tradição, propagam-se pelo granito, ganham formas, fazem nascer plantas e centopeias, deixam-nos respirar. São uma espécie de exploradores da "National Geographic" do exórdio da nossa espécie. Usam a música como um dardo tranquilizante e, depois de cairmos num estado letárgico, averiguam como é que estamos, como é que interagimos com os outros animais. Quando acordamos estamos exactamente no mesmo momento, nem o tempo passou. Prosseguimos, ufanados com as nossas capacidades, com a nossa banalidade, e esgotamos aquilo que nunca nos pertenceu. No início, quando ainda estamos latentes na nossa condição humana pura, conseguimos ouvi-los sempre, nem precisa de ser Inverno. Depois crescemos, somos levados a acreditar que os sonhos são vestigios de sinapses que se estabeleceram pela apreensão do real (seja lá o que for o real) e morremos dentro de nós. Deixamos que a tecnologia, por substituição, ampute os nossos membros, e prosseguimos sendo aquilo que não somos. Eu parei e consegui ouvi-lo.