domingo, junho 06, 2004

Ansiar...

É um sacrifício levantar-me todas as manhãs e sentir que não devo nada ao mundo, nem ele a mim.
Há pouco tempo, enquanto fazia zaping, estaquei a sintonização dos canais onde estava a dar um filme sem interesse aparente. Nesse filme, banal (embora norte-americano), foi contada uma estória, por um dos personagens, que não me larga.
Um rapaz de cerca de quinze anos andava a estudar. Um dia os pais morreram. Ele, que já era pobre, ficou sem nada. Começou a trabalhar, e, depois de uma vida dura, ao fim de muitos anos, conseguiu juntar dinheiro e comprou uma pequena loja. Eventualmente conseguiu casar com uma rapariga que vivia perto dele. Ela era feia mas ele amava-a incondicionalmente, acima de tudo. O tempo foi passando, e aos fins-de-semana ele levava-a a um sítio especial, onde podiam estar sozinhos e viver felizes, ainda que por apenas algumas horas, sem preocupações. Dez anos passaram, e um dia ela adoeceu e acabou por morrer, consumida pelo cancro. O coração dele ficou destroçado, mas continuou a viver e a lutar. Conseguiu ter o direito de adoptar uma criança, o que o levou a adoptar um rapaz. Todos os fins-de-semana ele levava a criança ao mesmo sítio especial onde levara durante dez anos a sua amada companheira. Um dia foi indagado por alguém, talvez um vizinho, que lhe perguntou como é que ele conseguia aguentar tanta infelicidade que a vida lhe trazia e ainda conseguia manter um sorriso. A resposta, simples, desconcertante e inteligente, não se fez esperar. Ele apenas disse que ser feliz não é nada mais do que ter por que ansiar, seja um fim-de-semana num sítio especial, seja desejar estar com alguém que se ama, o importante é ansiar que um determinado dia chegue.
Eu só quero ter por que ansiar...

afinal, sonho em mim...

Sonho acordado,
Na noite dos dias, que não passam...
Fujo, humílimo perante as pedras,
Os insectos...
Acordo a sonhar,
Nas manhãs torturantes,
Inertes, mortas para o tempo...
O esquecimento do futuro,
Como se, ansioso, me esgotasse.
Deixo atrás de mim o mimetismo da alegria,
Pois nunca foi mais do que um pálido vislumbre de vida,
Nunca sentir nem olhar.