quinta-feira, novembro 23, 2006

Timbre da onda...


Imagina uma falésia. Não precisa de ser num país distante, acessível através de um manto de nuvens espessas, guardado por amazonas. Uma falésia, simples, ladeada por escarpas pontiagudas, onde os corvos marinhos e as gaivotas nidificam e ouvem as marés.
Se deixares fluir os sentidos, sem pensar muito, percebes que a simplicidade daquele microcosmo gigante explica-te como funciona o teu sentir, o tal que é ilógico.
A reverberação intensa, resultado da solidez e forma dos rochedos, faz com que cada vaga, que aos mergulhos desajeitados se lança para a costa, tenha um som distinto, como um grito rouco.
Fecha os olhos. Cada onda, das mais fortes, daquelas que dentro da escala hierárquica das ondas têm um ânimo de conquistador, tem um som que faz com que ela seja ela e não outra. É essa vibração que nos afecta, que nos apela a escolher uma onda, apenas uma, entre todas.
Essa distinção só existe em nós, que ousamos escutar. No meio do caos que é a vida das pessoas passa-se o mesmo, quando as ouvimos com atenção, quando lhes damos o nosso tempo e elas se distinguem no meio da tempestade na falésia que é a existência.
O timbre das ondas confunde-se com o som da respiração e aquela pessoa, antes desconhecida, é o nosso reflexo embaciado. Mas as ondas só acontecem uma vez.