quarta-feira, março 23, 2005

cinzas... escultura de areia ressequida... o meu peito...

Encontrei, certamente não por acaso, uma centelha de ti no meu sonho. Foi terrível abrir os olhos, deixar-me fulminar pela luz, e ver que não estavas. Abri (mais uma vez) um precedente de inquietude, como se a falta da tua textura, de toda a minha capacidade háptica, me devolvesse a um estado embrionário em que não sabia o que era sentir, sentir-te. Respirando, assimilando, deixei de viver, outra vez. Ainda espero que me libertes do cárcere destes sentimentos de antanho, para ti, que, em mim, estão mais presentes do que nunca. Cada momento nesta opressão, ainda que no imaginário, é como o vento a passar num manto de cinzas, só que eu não estou a libertar-me dos restos queimados pelo tempo, eu sou o pó, ressequido, de mim, e disso liberto-me com o mais suave bafejo. Deixo de ser na tua ausência.

quinta-feira, março 10, 2005

Esperança ou a inefável tentação de ser

Estava deslocado. Pensava que afinal não pertencia ali. É difícil enfrentar a perfeição de um momento, ainda que seja aquilo que mais desejamos. Olhava e sentia, mas não sabia. Ela, com simplicidade, puxa o banco, senta-se, olha para a partitura, começa timidamente a tocar. Tecla após tecla a melodia forma-se. Reconheço-a. Eu já a tinha tocado algumas vezes, mas esta melodia que despertava, pueril, estava a corrigir-me. O sentido da "mazurka", mais do que me elucidava sobre as harmonias, puxava-me para um turbilhão inevitável de taquicardia sentimental. Só queria dizer-lhe que nem o sonho mais ousado de Dali poderia reconstruir aquele momento. Mais do que onírico, era real e perfeito. Nesse momento (re)comecei a sentir... ou apenas um nevoeiro de mim no deserto de tudo o que fui.

quarta-feira, março 02, 2005

sonho sem mim...

É uma daquelas manhãs frias, em que a luz fere graciosamente os olhos. As pernas já não acompanham a minha vontade de correr, mas é bom saber que ainda escreves ao meu lado, que tomas conta dela... ela anda a correr, sem nunca se cansar, como todas as crianças fazem. Anda atrás dos gansos. Bem que eles correm para o lago, a bater as asas com um ar desajeitado... algumas penas soltam-se. Ele, mais velho, joga à bola com os outros miúdos. Não tenho medo que se magoe, só lhe faz bem sentir a energia de um momento intenso. Seria um desperdício de vida ficar inerte, a ler um livro, com esta idade... ou a brincar com "legos". Ainda bem que eles os deixaram connosco. Podiam pagar uma ama, mas no fundo sabem que nos dá alento tê-los cá. É como se nos fizessem lembrar uma época à qual já não pertencemos.
Temos de voltar para casa... e acho que eles anseiam por isso. O bolo que lhes fizeste deve estar bom. Já não tenho idade para guloseimas, mas só de pensar... sinto-me ridiculamente a salivar.
É bom chegar até aqui, até esta fase... sentir tudo isto que sinto... e só temer o dia em que um de nós vai reclamar a obscenidade da incúria eterna. Não quero deixar-te nunca, eternamente envelhecer a teu lado...
Depois... acordei... e percebi que não vivia a minha vida. Onde é que estás?