quinta-feira, junho 26, 2008

Discurso sobre quartos vazios


Nascemos num caixão feito de seiva e raízes e húmus.

Começa a nossa fundação.

Temos paredes, telhado.

Pouco a pouco acrescentam-nos mobília, pó, carpetes e inutilidades.

Quando somos uma mansão, albergamos uma família. Enchem-nos de riscos de carvão e de brincadeiras pérfidas de crianças. Habituamo-nos aos passos pouco cadenciados daquela menina de cabelo preto e olhos azuis. Corre, saltita e deixa marcas.

Um dia acordamos e só temos quartos vazios. Olhamos para paredes brancas lapidadas pelo tempo e desejamos ser demolidos. As paredes já não fazem sentido, já não há crianças a pular nem avós a urinar pelas pernas abaixo, carcomidos pela idade. Só há quartos vazios. Só há morte e renascimento e dor esquecida.